domingo, 26 de agosto de 2007

Coleção de Pessoas: Do questionário ao Facebook

Quando eu era garoto, nos idos do início dos noventa, costumavam passar questionários em sala de aula. Esses questionários consistiam de cadernos onde cada folha se dedicava a uma pergunta e suas respostas. Via isso com bons olhos, gostava de poder saber mais sobre meus colegas. Era especialmente bom para saber mais sobre as meninas, saber qual era seu status marital e do que elas gostaram. Me lembro que estes questionários inclusive eram moldados de forma a expor a vida amorosa do seu signatário. No final um recado para o dono do caderno e passe adiante.

Era talvez pela falta de tecnologia, ou pela praticidade de interagir com o papel no universo limitado da sala de aula que estes veículos de perfis faziam tanto sucesso. Não me espanta portanto que no universo de pessoas pertencentes ao Orkut exista um guande percetual de brasileiros. Já lhes era parte esse hábito de se expor ao público. E talvez esteja ai o motivo do sucesso em outros países altamente industrializados, a dificuldade de se em público é amenizada pelo meio digital.

Hoje preenchi meu perfil do Facebook. Muito interessante a interface e a adequação dela à proposta. Facebook é como os americanos chamam um análogo ao questinário brsileiro. Um livro de rostos, um catálogo de fotos anual geralmente acompanhado de uma troca de fotos e assinaturas. Um mecanísmo de estreitamento de laços afetivos em uma rede social. No Facebook.com o mecanismo é ainda mais próximo do que seria um questionário. Em verdade contém um questionário, caractrística comum às redes sociais. Identificando-se ao grupo abre-se espaço para a inter-identificação dos indivíduos, que acabam por se agrupar naturalmente por interesse. Em virtude desse fenômeno é comum aos as redes sociais é o item aglomerador de pessoas. A comunidade, a rede, a empresa, a causa. O Orkut.com possui comunidades gerais, sem formatos especiais, apenas categorias. No Facebook todas as possibilidades de agrupamento citadas estão presentes. O perfil do usuário pode conter vários quadros a sua escolha com conteúdos de mural à aplicações que mostram um mapa de onde ele já esteve. Digamos que voce acabou de alterar algo em seu perfil: uma lista de notícias sobre você, em seu perfil, será alterada mostrando "Fulano's home is now at [address]" se você alterou seu endereço de casa.
Nesse novo modelo de questionário há uma outra alteração. Antigamente cada círculo de amigas assinavam seus questionários entre sí. Ler questionários de outro grupo era penetrar-lhe a esfera de privacidade. Era informação de ouro. A medida que iam se popularizando, no decorrer de um ano, os perfis das pessoas já eram bem conhecidos e as pessoas se aglomeravam por afinidade. Não que isso nao aconteceria sem os questionários, mas eles aceleravam as coisas e permitiam uma virtualização interessante. Quando eu respondia um questionário, e creio que isso se extenda aos colegas, compunha uma narrativa de um eu imaginário, uma figura exagerada do eu, por vezes idiota, outras superegóico. Essa narrativa que já se projetava no texto lá é hiperpotencializada na internet.
É interessante que os estadunidenses tivessem um hábito mais fotográfico de agregar as pessoas. No Brasil isso não acontecia, pelo menos comigo no sul, de se ter livros anuais e trocas de fotos. Era um movimento deveras anárquico de produção de quationários cada qual com seu interesse em particular, mas nenhum com foto. Talvez pelas turmas serem pequenas, o que tornava fácil o reconhecimento fisionômico entre as pessoas, esse hábito não proliferou.
Não creio que questionários tenham sido inventados aqui no Brasil. O que quero destacar é a facilidade da adaptação desse homem cordial (vi um artigo sobre isso, alguém da da comunicação da UCPEL, e na era Recuero) e como isso ainda pode mover pessoas e interesses pessoais. Quanto a este último me refiro à intenção das pessoas que desenvolvem os questionários. O Orkut tem uma estrutura mais rígida, cunhada no relacionamento entre pessoasl e na aglomeração em comunidades. O Facebook é mais flexível, porém por padrão mostra muitos dados, expõe demais. Nós latino amreicanos é que sabemos que mal se pode fazer com o pessoal alheio. Por cá crimes relacionados à privacidade virtual abundam. O que seria então o resultado de uma migração massiva do Orkut para o Facebook. Não sei o quanto esses casos litigiosos ocorrem mundo a fora, sei de alguns casos com wikis e blog no exterior, mas em redes sociais desconheço. Talvez se o Facebook inchasse no Brasil a cultura local se refletisse na configuração dos perfis pessoais, ou na preferencia por um modelo de aglomeração, predigamos a comunidade aos moldes do Orkut. É cedo demais para dizer, prefiro esperar para saber. Uma coisa é certa, vai ser legal e inofensivo.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

1. A que horas vai passar o meu programa favorito? Em que canal?


Sobre a interação dos sujeitos nas interfaces (suportes, meios) de compartilhamento de vídeo na Internet e como acontece. compartilhamento de vídeos na Internet e televisão postos em comparação como paradigmas de comunicação. YouTube, sua popularidade e méritos, e outros sites com inovações incrementais.


Essas perguntas eram pertinentes à realidade de difusão que imperou desde o século passado. Esperava-se o programa de rádio. Reunidas na sala, ao som chiado do rádio valvulado, famílias faziam silêncio para receber as notícias do país e do mundo. A imagem em movimento migra das grandes telas do cinema para um novo móvel da casa com o surgimento da televisão. Novamente a família se reúne, em silêncio, para ver no jornal vespertino apresentar as notícias do dia. Tempo passado já se pode trocar o canal sem levantar do sofá. A programação segmentada de canais de TV por assinatura provocam batalhas pelo controle remoto da televisão. Porém ainda o silêncio impera na hora de ver televisão.

Qualquer sujeito com um computador, uma câmera (ou webcam) e acesso a internet, em poucos minutos, pode ingressar, assistir e protagonizar o discurso nesse novo meio. Com serviços de compartilhamento de vídeos a imagem em movimento e sua difusão migram da mídia de massa para ocuparem um espaço mais ordenado na rede. Disponibilizar os vídeos online é a espinha dorsal desses serviços, contudo diversos outros recursos se associam a estes itens proporcionando um ambiente de comunicação totalmente diferente da mídia massiva que comumente apresenta imagens em movimento e que serviu de inspiração para tais serviços, a televisão. Nessa pista duplicada de informação passa a figurar o embed player ou embedded player, visualizador embutido que estende a publicação dos vídeos hospedados nos serviços para qualquer outra página da rede.

Nesse ensaio advoga-se que a relação dos sujeitos como a imagem em movimento mudou e que o paradigma de comunicação dos sites de compartilhamento de vídeos é fundamentalmente diverso ao seu par antecessor. Acredita-se que essa nova maneira de interagir através das imagens em movimento diverge das anteriores por quebrar o silêncio da sala e trazer a voz do público ao centro do discurso. Traça-se então um paralelo dos conceitos de Primo para a interação interpessoal nesses sites.

2. YouTube, a Gillete do compartilhamento de vídeo na Internet.

[Resumo do ensaio: vide capítulo 1]


Existem marcas que pela ubiqüidade acabam por significar o próprio nicho de mercado que ocupam, ou produto que assinam. Gillete no Brasil é sinônimo de lâmina de barbear. O YouTube ainda não chegou, talvez por uma questão de tempo, a ocupar tal pedestal. Contudo é de longe o mais conhecido e acessado site de compartilhamento de vídeos. Não é raro ver pessoas dizendo que viram no YouTube vídeos que em verdade forma vistos em outros sites do mesmo tipo. O que faz o YouTube tão único? Público é a primeira das respostas. Os vídeos do site são publicados pelos próprios usuários, então, quanto mais pessoas mais vídeos. Quanto mais vídeos, mais pessoas. Esse ciclo, e algum buzz adicional, fomentaram o sucesso do YouTube. Pioneirismo é, em parte, outra resposta para o seu sucesso.

O modelo que se popularizou com o Youtube para o compartilhamento de vídeos inicia-se com Chase Norlin em 1998: sua idéia é um site onde o visitante possa publicar seu próprios vídeos, chamou-o ShareYourWorld. Sete anos à frente de seu tempo esse modelo só foi bem sucedido no final de 2005 pelas mãos de Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim, ex-empregados do PayPal, sob a alcunha YouTube. Ironicamente foi a quebra de direitos autorais (prática condenada pelas políticas do serviço) o fato gerador de maior notoriedade ao site: um episódio curto do programa Saturday Night Live foi publicado à revelia do detentor de seu direitos, a NBC Universal, que por ação judicial conseguiu a retirada do vídeo do ar em fevereiro de 2006, um mês após sua publicação. Não apenas pela audiência desse vídeo, mas pela polêmica gerada pelo processo movido pela NBC, e outros que se sucederam, vastamente noticiados pelas redes de televisão americanas, a popularidade do YouTube foi catapultada.

Atualmente o YouTube serve mais de 100 milhões de vídeos diários dos mais irrelevantes aos de maior importância, grande maioria exclusivos. Mídias tradicionais fazem referência ao site tornando-o mais real. Nesse contexto há uma mudança na relação dos sujeitos com o discurso da imagem em movimento. Não se precisa mais estar sintonizado a um canal ou esperar a hora em que o programa será transmitido, tem-se um programa a qualquer hora. O discurso que passa na tela não é mais parte de uma grade de programação constante e conhecida, é uma possibilidade nova à toda a hora. Essa é uma mudança pequena se considerarmos que o conteúdo é, em maioria, publicado e produzido por sujeitos – interagentes, antigos expectadores – em um movimento de inversão de sentido do fluxo da informação. Surge uma mídia de comunicação periférica onde a mensagem flui em qualquer sentido, não distinguindo cliente e servidor. Na televisão a mensagem originária se propaga de poucos emissores para muitos receptores. Na rede a mensagem circula em várias esferas de privacidade, e em vários sentidos entre os nodos. Ainda que guardados em um servidor os vídeos circulam em qualquer sentido, sem restrição.

Vamos falar do YouTube como se estivéssemos falando da Gillete, ou seja, como representante de todo o nicho de sites de compartilhamento de vídeos. Lá o usuário pode publicar o que quiser, ver o que quiser e escrever (ou capturar) o que quiser sobre o que viu.

3. Um passo à frente.

[Resumo do ensaio: vide capítulo 1]


Então, se o YouTube não foi o pioneiro no compartilhamento de vídeos, onde está o seu pioneirismo? Na interface. Ele incrementou o modelo pré-existente com mais retorno do usuário e com novos recursos de navegação.

Respostas em texto, os famigerados comentários, expõe à impiedade da opinião pública todos os vídeos publicados no site. Parece que os criadores do YouTube entenderam que não se pode limitar a entrada de conteúdo dos usuários e seguindo a filosofia de entrada aberta de vídeos promoveram a entrada de comentários em texto dos usuários. Essa pequena diferença se mostrou de suma importância no sucesso do site dando ao usuário a possibilidade de opinar sobre o que vê. Se tiver uma câmera esse usuário pode postar uma resposta em vídeo, o que parece natural em um site de compartilhamento de vídeos, porém essa vinculação de um vídeo como resposta a outro foi disponibilizada com pioneirismo nesse site.

Os vídeos relacionados: uma lista de vídeos que possuem as mesmas tags (etiquetas) do vídeo que se esta assistindo. Tags para os vídeos são outra inovação do YouTube. Folksonomia (aportuguesamento de folksonomy) é um portmanteau que combina as palavras folks (pessoas) e taxonomia. Essa taxonomia das pessoas é a organização do conteúdo através de palavras chave inseridas pelos próprios publicadores dos vídeos. Assim o usuário pode ver em uma lista quais vídeos se correlacionam com as tags daquele que eles vêem no momento. A qualidade das tags associadas a um vídeos no YouTube dependem fundamentalmente do empenho do publicador, único a poder altera-las. Contudo esse empenho é recompensado com uma popularização maior para vídeos bem “tagueados” (etiquetados). Essa enxurrada de neologismos é característica do meio Internet e a própria folksonomia contribui para sua expansão a medida que permite a construção de uma linguagem própria do meio de forma natural.

O embed player, uma interface de embutir, permite que vídeos do YouTube seja visualizados em qualquer outro domínio da rede. No contexto de sites de compartilhamento de vídeos o uso de embed player não é inovação do YouTube, contudo a facilidade de inserção e a disponibilidade do código (HTML para embutir o vídeo) em todos os vídeos o tornaram o mais usado para embutir. Embutir os vídeos é uma boa solução para os usuários do YouTube, em geral pessoas comuns que não disporiam de um servidor para hospeda-los.

4. De um domínio para toda a Internet.

[Resumo do ensaio: vide capítulo 1]


O uso de embed player é parte de uma moção comum à outros serviços, como rádios e compartilhamento de fotos, ele permite aos internautas (desde que não tenha sido restrito pelo publicador) embutir o um item (vídeo, imagens, áudio) em qualquer outro site pelo uso de um código de programação gerado e disponibilizado para copia e colagem junto ao item. Embed players tampouco são novidade. São um tipo de wrapper: interface adaptada de um aplicativo para inserção em outros meios compatíveis. Os video embed players já estavam presentes no Internet Explorer 3.0 da Microsoft em 1996. Seu trunfo à época era o data streaming: literalmente fluxo de dados, fazendo referência à corrente de dados que se deslocava do computador servidor ao cliente da rede. Essa tecnologia permite exibir o vídeo enquanto ele é carregado do servidor.

De 1996 ao momento presente muita coisa mudou no cerne tecnológico dos video embed players. Atualmente a grande maioria roda sobre o plug-in Adobe Flash (praticamente ubiquo em computadores com banda larga), o que possibilita o acesso por múltiplas plataformas (Macintosh, Linux, Windows e Solaris). No que diz respeito à interface e aplicação desses players as possibilidades de interação reativa cresceram com o suporte à programação em linguagem própria (Actionscript) com API1 direcionada à aplicativos online. Com essa nova infraestrutura os video embed players podem apresentar não mais apenas o data streaming de vídeo, mas outros dados em interfaces visualmente mais ricas.

Embutir textos faz parte da rotina de quem vive o ecossistema chamado blogosfera (aportuguesamento do inglês blogsphere) que se alimenta de links, cometários e trackbacks2. Relacionar conteúdo não seria nada surpreendente na Internet não fosse o fato dessa atividade estar sendo encabeçada por pessoas comuns. Sim, fazer seu próprio caminho na rede é interação, mas é um tanto infrutífero. Primo (1998) a chama de interação reativa. Trata-se de escolher caminhos em um universo limitado de navegação. Interação humano-computador resume-se à reação. Interação humano-humano mediada por computador é chamada pelo autor de interação mútua. Esse mutualismo, nas análises de Primo, se dá nos blogs e seus comentários, no conteúdo de wikis e discussões, em diferentes níveis como veremos. Criando e relacionando conteúdo os interagentes expandem a rede, e recentemente, com serviços de compartilhamento de vídeo, em uma nova mídia.

Anúncios publicitários, vídeos relacionados e qualificações dos usuários estão presentes na maioria dos serviços. Contudo, são recursos de interação mútua que despertam a atenção em serviços de compartilhamento de vídeos surgidos recentemente, como é caso do Viddler e do dotSub.

Esse primeiro inova ao proporcionar ao interagente a publicação de comentários (em texto ou vídeo) e tags3 diretamente no embed player. O YouTube também usa tags, porém a inserção é restrita ao publicador do vídeo, ao passo que no Viddler qualquer um pode adiciona-las. Chama atenção o fato das entradas (comentários e tags) estarem relacionadas, nesse serviço, a posições específicas na timeline4 dos vídeos, facilitando a busca do quadro exato do vídeo onde se dá a discussão sobre determinado assunto, ou que foi identificado por uma tag.

5. O que muda no discurso.

[Resumo do ensaio: vide capítulo 1]


Quando ligamos o computador seguimos uma rotina. A maioria abre o navegador, verifica e-mails, responde alguns, busca algum assunto de interesse, lê, adiciona aos favoritos para ver depois [o que geralmente não faz] e repete alguma dessas rotinas.

A Internet não nasceu aberta ao conteúdo do usuário e como em outras mídias predecessoras era lugar destinado a absorção de informação menos do que publicação. Emitia-se opinião no bar com os amigos, no café com os colegas de trabalho e na mesa do jantar com a família. Há quem diga que a Internet separa as pessoas por que as põe isoladas em frente a tela da máquina com apenas um teclado e um mouse. Em compensação a Internet pode unir pessoas fisicamente muito distantes. Em verdade o espaço físico não faz a mínima diferença na rede. É muito gratificante trocar algumas palavras com amigos na rede, quem sabe vê-los e sermos vistos através de uma webcam. É melhor do que nada, mas infinitamente pior do que a presença física. Será?

Alguns se sentem mais a vontade no anonimato ou sob a máscara de seus avatares para dizerem o que pensam. Não costumamos ver pessoas comuns subirem em caixotes em meio a praças e gritarem aos quatro ventos seu pensamentos mais profundos e pessoais. Na rede o equivalente disso não soa tão absurdo. Estaríamos perdendo o medo do público, ou é só efeito da “blindagem” tecnológica?

Essa é uma diferença do paradigma midiático da televisão para o do vídeo na Internet: o espectador não fazia parte do mesmo espaço-tempo do discurso do vídeo, hoje é o próprio que o cria e recria. Quando se acessa um vídeo no YouTube não se assiste apenas ao vídeo, se lê os comentários dos usuários logo abaixo, e tudo isso faz parte do discurso. Quando se comenta um vídeo se está alterando o próprio discurso do vídeo. Não se assiste um discurso, se experimenta ele, se interage com ele. Isso ignorando as respostas em vídeo que põe a disposição do sujeito o mesmo suporte da mensagem original. Um discurso que se segue a outro.

Interação ou comunicação mútua (citar) é o nome dado a esse conceito outrora restrito aos textos de blogs e wikis. O reles usuário passa a ser interagente, ator efetivo da criação do conteúdo, trazendo suspiros de esperança a Theodor Nelson, quem cunhou o termo hipertexto.

Tudo muda muito rápido na Internet: a tecnologia, os usos que o internauta dá a ela e a repercussão que ela tem fora da rede. Desde o estoura da “bolha” da empresas .com, em 2001, até o presente muita coisa mudou, muita coisa nova surgiu e é seguro surgirá. Mas uma coisa mudou radical e definitivamente: aquele que anteriormente era usuário, relegado a usar o que já estava predefinido, não mais se contenta em apenas percorrer o caminho traçado na ordem que quiser. Essa interação não é mais satisfatória mesmo que não se tenha esperança de um dia ter acessado tudo. O que se quer é expandir a fronteira do conteúdo acessível aos outros; publicar.

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Depois da chuva, o arco-íris

Ontem, quando escrevi sobre o acidente de Congonhas, ainda estava sob efeito da catarse da catástrofe. Ainda pensava: Por que deixaram isso acontecer. É um problema congênito desse governo. Não escolhe as pessoas por mérito. Não pode deixar de acomodar o ambiente político, pois qualquer desequilíbrio faz alguém puxar a coberta e deixar outrem com os pés descobertos. E outrém com os pés descobertos pode abrir a boca. E bocas abertas acabam em CPI. Aliás já há a CPI do Apagão Aéreo desde 17 de maio, da qual o senil Sr. Ministro da Defesa Waldir Pires já se encontra escanteado há tempos. Ele deve perder o cargo de Ministro diz o Presidente Lula. “O Exército e o Tribunal de Contas da União deve cuidar do caso”, diz o relator da CPI, o democrata (me sinto nos EUA) Demóstenes Torres.

É até irônico que um tribunal de contas vá investigar o ocorrido. Já fica bem claro que além dos problemas técnicos que o Exercito terá de encontrar, há um problema financeiro. As contas não fecham; o dinheiro estava lá e o problema está aí.
Nas entrelinhas o governo parece querer deixar claro que cabeças vão rolar. Alguns já sentiam o frio da navalha no pescoço. Quando sentem que a navalha que lhes ia decapitar se afasta, aproximando-se de outros pescoços, comemoram. Qual reação seria mais torpe do que essa no momento trágico em que vivemos.

Não estou aqui para fazer crônica política. Estou para falar de Jornalismo Cidadão na Internet.

Quero falar sobre uma coisa que me chama a atenção neste vídeo do Youtube:




Antigamente a memória do público tinha que ser alimentada quer pela repetição nas mídias de massa, quer pela reprodução oral do que os cidadão viam e ouviam. A cultura oral foi nossa primeira forma de fazer história. Hoje, aparatados de placas de captura e computadores, pessoas comuns gravam as notícias e republicam em serviços de . Fazem reproduzir o que antes dependia da intenção das empresas de mídia massiva.
Nessa circunstância não há mais como fazer esquecer as imagens marcantes. Se o público quer ver ele vai poder.

A popularização de câmera digitais em celulares faz com que cada vez mais a captura dessas imagens possa ser feita em locu, gerando assim uma via totalmente alternativa para a notícia.

Novamente o que dependia da empresa de mídia pode ser feito pelo cidadão.
Quem confia nisso? Quem tem critério confia em algumas coisas, quem não tem confia em tudo. Há quem não confie em nada, mas estes não tem mais força pra colher, cozer e mastigar a informação, e as vezes até nem para cuspir o caroço. Estão por demais acostumados à “papinha” de manhã cedo. A uma regurgitada com os amigos da “firma” e um sono tranqüilo. Bons tempos onde tínhamos a desculpa de dizer que não tinamos nada o que fazer pra mudar a situação. Bastava ser máquina.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Acidente do vôo TAM 3054 em Congonhas

Parece que todos os dias acordamos para conviver com notícias tristes. Vivemos bombardeados pela negatividade das notícias recentes. Já calejados e insensíveis à tanta negatividade, quase não reagimos às barbaridades que ouvimos nos noticiários.
Quando chegam a nós notícias de uma tragédia é que abrimos os olhos e começamos a querer saber, buscar a verdade frente aos eventos. Não satisfeitos com as notícias oferecidas pelos veículos tradicionais, na Internet e fora dela, pulverizamos a rede com nossas visões do evento. Fazemos clipping, compilando notícias de vários veículos em canais abertos de publicação (wikis, blogs, flogs, etc) como forma de apresentar como dispomos e juntamos os fatos que pipocam nas mídias. É pena que agora só nos reste chorar o "leite" deramado...

Nas crises ocorrem mudanças, brotam soluções. É interessante, embora trágico na circunstância, o movimento das redes sociais na Internet em prol de externar a consternação dos usuários frente aos eventos recentes na aviação no Brasil. Tanto se fez nesse ímpeto de tristeza que fica no ar uma névoa de culpa por não ter feito antes a mesma mobilização de agora à tempo de contornar os efeitos nefastos da crise. Em matéria no site Eu-Repórter do oglobo.globo.com uma leitor expressa seu sentimento de impotência frente aos fatos e faz uma mea culpa da tragédia, afirmando que somos todos culpados pelos eventos decorrentes da falta de infraestrutura no Brasil, por comodismo ou omissão.

Essa consciência da responsabilidade sobre o problema chama atenção do público leitor -consumidor de notícias- para refletir sobre o quanto ele deixa de colaborar com a qualidade do seu país por se omitir assumindo papel passivo nos acontecimentos. Essa mea culpa é ainda mais contundente por estar veiculada em um jornal tradicional (O Globo) fora da rede, mostrando o poder da palavra do cidadão para não só lamentar os fatos ocorridos, mas para manifestar a insatisfação e a iminência de problemas. Um acidente no aeroporto de Congonhas, encravado no meio de São Paulo, com o movimento que tem, já era mais do que anunciado. Um dia antes do acidente um avião menor já derrapara na pista. As condições da pista em dias de chuva vinham sendo questionadas. E agora vem-se saber que o avião estava com o reverso (dispositivo que inverte o fluxo da ar nas turbinas) desligado desde o dia 13, e que o mesmo avião já havia apresentados problemas ao tentar aterrizar em Congonhas.

Resta a todos a questão: Por que não falei nisso antes? Era óbvio! Espero que essa questão não desocupe a cabeça a dos responsáveis pelo acidente. Nós usuário, que pouco podemos fazer, e por este pouco nos culpamos, devemos seguir o exemplo de alguns poucos que dedicam seu tempo a publicar notícias nesta rede. Aqueles que publicam fotos, vídeos e textos. Aqueles que, inconformados com o absurdo que nos habituamos a chamar de normalidade, registram na rede a sua história.

Quatro horas e meia depois do acidente a Wikipédia lusófona apresentava um artigo sobre o acidente. Mais de 500 edições depois o artigo possui uma detalhada reportagem e link para a lista de vítima do acidente. Nove fotos, manifestações oficiais de governos, órgãos públicos envolvidos e da empresa aérea TAM. É verdade que há um grande volume de edições em artigos de eventos recentes, mas este cresceu rápido, está bastante completo, e seguindo-se as atualizações a medida que novas informações surjam, deve formar um ótimo registro histórico.

Na Wikimapia está marcado o local exato do acidente com alguns detalhes e link para o artigo da Wikipedia. Nas Comunidade do Google Earth (aplicativo de vizualização de mapas do Google) está publicado um pacote adicional que permite ao usuário deste aplicativo vizualizar a rota de colisão do avião sobre o mapa, além do local do impacto.

No Flickr dezenas de fotos do acidente, fotos de luto e de protesto surgiram desde a terça-feira fatídica. No Youtube vídeo com imagens das vítimas, extraídas da própria Internet, acompanham a mensagem de condolência de um usuário. Um vídeo mostra o local do acidente visto da janela de um apartamento próximo ao aeroporto de Congonhas.

É interessante para um povo tido como “sem memória” que estas manifestações de civilidade sejam enaltecidas. Essas informações compões grande parte do conteúdo menos perecível da rede sobre esse evento dantescos. Ficarão para a história, para consulta e atualização. Mostram o poder que o usuário tem para expor suas idéias, comunicar e escrever a história como ator, não como mero espectador. Põe a tona várias discussões tanto sobre a segurança da aviação, quanto sobre a responsabilidade individual nos sinistros que populam os noticiários. Quantos desses desastres poderiam ser evitados se aqueles que convivem com o problema de perto saíssem do anonimato e comunicassem de antemão os potenciais desastres. Depois que o “leite” derrama, e respinga, os dedos começam a levantar.

O ocorrido levanta diversas discussões dentro e fora do território brasileiro. Aeroportos encravados em centros urbanos ao redor do mundo visualizam problemas futuros. Pilotos, controladores, funcionários se manifestam sobre o ocorrido e problemas do que já atende por “Caos Aéreo”. que antes era um problema de logística e cada vez mais se apresenta como um problema político. Os próprios controladores de vôo, militares, põe em risco a sua liberdade para reivindicar melhores salários e condições de trabalho. O que antes se apresentava como um problema de quem voa agora passa a esfera de problema público, que mancha inclusive a imagem do Brasil nas candidaturas para sediar a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.

Os críticos do Jornalismo Cidadão na rede temem pela qualidade do seu conteúdo. Esse evento e sua repercussão na rede mostram o quanto a convergência da vontade pública podem gerar resultados concretos e palpáveis. O respeito, maturidade e velocidade com que o Jornalismo Cidadão cobriu este evento são vetores que indicam um ambiente saudável para que num futuro breve surjam coberturas jornalísticas preventivas mais do que curativas, como é o caso.

Trágico acontecimento. Manifesto minhas condolências às famílias das vítimas. Conforta-me a boa reação da comunidade de usuários na Internet. Espero que esse movimento prossiga, e que ao publicar nessa rede, façam bom uso da liberdade para não fazer em vão a morte desses cidadãos.